ENTRE O HUMANISMO E O ETNOCENTRISMO: NOTAS CRÍTICAS ACERCA DO DIÁRIO DE VIAGEM DE ALBERT CAMUS BETWEEN HUMANISM AND ETHNOCENTRISM: CRITICAL NOTES ON ALBERT CAMUS’S TRAVEL DIARY

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Jean Henrique Costa
Raoni Borges Barbosa

Abstract

O livro Diário de Viagem, de Albert Camus, é um trabalho que anuncia tanto aspectos circunscritos e íntimos de sua biografia intelectual inquieta, quanto determinadas questões estruturais de seu tempo atravessado pelo fantasma descivilizatório das duas grandes guerras mundiais que desestabilizaram os imperialismos europeus e impuseram uma Nova Ordem Mundial abalizada no antagonismo polido e cínico entre as potências capitalista e socialista de administração do mundo do trabalho. Nesta obra, cujo objetivo foi narrar duas de suas viagens à América nos anos quarenta do século passado, Camus revela-nos uma visão de mundo permeada por uma boa dose de Etnocentrismo, típica de homens brancos e europeus. Eis que, apesar de sua periférica ascendência argelina, colonizada e ressentida, e de ter compreendido – talvez como poucos de sua geração – as questões centrais do imperialismo e da violência colonial, nem mesmo o seu Humanismo aguçado e a sua crítica refinada o livraram do preconceito pitoresco e tacanho de um franco-argelino tentando traduzir as terras exóticas do além-mar, longe da envelhecida e pretensamente polida civilização europeia. Na América do Norte, Camus esteve entre março e maio de 1946. Na América do Sul, entre junho e agosto de 1949. Apesar do curto tempo fracionado em duas estadias, o viajante expedicionário Camus nos mostra não apenas uma percepção individual sobre a divisão territorial do trabalho e da cultura vivida na América – através da dicotomia Norte-Sul –, mas, sobretudo, apresenta um recorte do modo coletivo de sentir, pensar e agir que o europeu médio tinha sobre o continente americano, grosso modo dado pela racionalidade capitalista nos EUA e pelo aparente atraso e pobreza na porção sul-americana. Os relatos de viagem de Camus, não obstante sua eloquência, são testemunhos de como o intelectual humanista da já econômica e politicamente superada civilização europeia no concerto das Nações enxergava a diferença cultural, a alteridade sociopolítica e a vida ordinária nas Américas: um burburinho potente de atividade burguesa efervescente e luminosa, por um lado; e um abandono desalentador da razão crítica e da técnica emancipatória, por outro! Qualquer proximidade climática, humana ou arquitetônica em relação ao velho Continente, agradavam-no. Longe disto, causavam-lhe desconforto ou desatavam-lhe um sofrido exercício de relativismo cultural. Mas aqui não estamos para julgá-lo, e sim para apreciar criticamente seu Diário de Viagens!

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