Prefácio Preface

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Raoni Borges Barbosa

Abstract

Este derradeiro número do quinto volume da Geplat Papers - Academic Journal of Studies in Society, Sciences and Technologies vem em boa hora anunciar o compromisso da nossa comunidade de pesquisadores em manter aberto o exercício acadêmico da escrita e da publicação regulares para as novas gerações de formandos. Nesse sentido, podemos dar por consolidado esse espaço plural e menos burocrático para a iniciação científica de jovens pesquisadores.


Composto por cinco textos oriundos de campos de pesquisas e propostas analíticas diversas, o presente número provoca o leitor com reflexões sobre políticas públicas e a relação entre Estado e Sociedade na produção de Saúde e Bem-estar; sobre relações étnico-raciais e de gênero na atual dinâmica do Trabalho; sobre etnocentrismo e humanismo no pensamento social e na literatura; e sobre emoções, subjetividade e saúde no jogo social de capitalismo flexibilizado e de desempenho narcísico que caracteriza as sociedades contemporâneas. Temos, assim, um apanhado temático rico e teórico-metodologicamente amplo, tal qual abaixo exemplificado a partir de recortes argumentativos dos propios autores.


Em Experiências escolares de crianças indígenas Warao migrantes e refugiadas: um estudo antropológico em escolas municipais de Boa Vista – Roraima, o pesquisador Raniere de Oliveira Carvalho problematiza como a cidade de Boa Vista - RR vivencia desde 2014 um intenso ciclo migratório humano oriundo da Venezuela. Este fenômeno tem como fator principal uma crise política e econômica deste País. O deslocamento populacional tem submetido também grupos indígenas venezuelanos, que durante o processo acabam inseridos numa situação de extrema vulnerabilidade em solo brasileiro. As escolas do estado de Roraima e município de Boa Vista refletem este contingente migratório com o aumento das matrículas destes grupos. No entanto, não existem dados concretos que representem a inserção destes alunos nas escolas do município. Assim, grupos de indígenas venezuelanos, como os Warao, continuam adentrando o espaço escolar de Boa Vista. O povo Warao, foco principal deste artigo, é oriundo do estado Delta Amacuro, município de Tucupita, Venezuela.


Em Divisão sexual do trabalho e desigualdades de gênero no filme “A Assistente”, os pesquisadores Iáscara Gislâne Cavalcante Alves, Jean Henrique Costa, Bismark de Oliveira Gomes e Arlindo Souza Neto problematizam a divisão sexual do trabalho e as desigualdades de gênero na obra audiovisual A Assistente, lançada em 2019. Com direção de Kitty Green e produção de P. Jennifer Dana, Scott Macaulay e James Schamus, o filme traz a rotina exaustiva – e sobretudo abusiva – de trabalho da personagem Jane, ocupada como assistente do que parece ser um grande empresário da indústria cinematográfica. A narrativa se passa em uma produtora de cinema e retrata o cotidiano precarizado, cansativo, amedrontado, envergonhado, ressentido e assediado de Jane. O filme é uma tentativa quase documental de denunciar os assédios sexuais neste mercado de trabalho. Apesar de ser um caso ficcional, a obra é um exercício aberto de crítica ao trabalho feminino invisibilizado e erotizado. A Assistente (2019) expõe as múltiplas formas de desigualdades de gênero que se fazem recorrentes em um ambiente predominantemente masculino, evidenciando a maneira como a divisão sexual do trabalho se desenvolve a partir das relações de poder estabelecidas.


Em Poder patronal e necropolítica: reflexões antropológicas de um sobrevivente da pandemia de Covid-19, o pesquisador Tássio Ricelly Pinto de Farias discute conceitos fundamentais das ciências sociais, tais como biopoder e necropolítica, com o escopo de problematizar os múltiplos exercícios de poder sobre a vida nos tempos do avanço neoliberal. Além da abordagem teórica, produz algumas notas etnográficas retrospectivas acerca dos processos de contaminação, adoecimento e isolamento no contexto da pandemia de Covid-19 que experimentou. Toma ainda como exemplo o caso de uma pessoa conhecida que trabalha no comércio da sua cidade (Apodi-RN), apresentando relatos sobre o período em que ela esteve contaminada pelo SARS-CoV-2. Pretendeu refletir sobre o que chamou de direitos ao adoecimento e ao isolamento, bem como sobre suas formas sistemáticas de negação, compreendidas aqui como exercícios de necropoder, tendo como pano de fundo a pandemia recente.


Em Breves notas sobre a medicalização das emoções: rascunho para uma discussão urgente, os pesquisadores Laura Pollyanna Rodrigues de Melo, Bismark de Oliveira Gomes e Arlindo Souza Neto abordam o crescente processo de medicalização das emoções na sociedade brasileira, destacando como o sofrimento psíquico é frequentemente tratado com soluções biomédicas rápidas, que buscam suprimir sentimentos e promover a "cura" de emoções negativas. A partir das reflexões de autores contemporâneos como Maria Aparecida Moysés e Byung-Chul Han, o ensaio problematiza o impacto dessa abordagem na experiência humana. Ao considerar a medicalização em conjunto com as transformações tecnológicas e a “sociedade de desempenho”, o texto analisa como a tendência à eficiência e ao bem-estar farmacológico pode limitar a capacidade de lidar com emoções e relacionamentos. A medicalização excessiva é vista como um fator de distanciamento emocional, levando a uma sociedade que valoriza a produtividade e a eliminação de sofrimentos naturais da vida. Os autores defendem, então, uma compreensão humanizada e integral das emoções, que valorize o papel do sofrimento na experiência humana, evitando reduzi-las a meros desequilíbrios químicos e promovendo uma perspectiva de aceitação e significado emocional.


Em Entre o Humanismo e o Etnocentrismo: notas críticas acerca do Diário de Viagem de Albert Camus,  os pesquisadores Jean Henrique Costa e Raoni Borges Barbosa problematizam o livro Diário de Viagem, de Albert Camus, como um trabalho que anuncia tanto aspectos circunscritos e íntimos de sua biografia intelectual inquieta, quanto determinadas questões estruturais de seu tempo atravessado pelo fantasma descivilizatório das duas grandes guerras mundiais que desestabilizaram os imperialismos europeus e impuseram uma Nova Ordem Mundial abalizada no antagonismo polido e cínico entre as potências capitalista e socialista de administração do mundo do trabalho. Nesta obra, cujo objetivo foi narrar duas de suas viagens à América nos anos quarenta do século passado, Camus revela-nos uma visão de mundo permeada por uma boa dose de Etnocentrismo, típica de homens brancos e europeus. Eis que, apesar de sua periférica ascendência argelina, colonizada e ressentida, e de ter compreendido – talvez como poucos de sua geração – as questões centrais do imperialismo e da violência colonial, nem mesmo o seu Humanismo aguçado e a sua crítica refinada o livraram do preconceito pitoresco e tacanho de um franco-argelino tentando traduzir as terras exóticas do além-mar, longe da envelhecida e pretensamente polida civilização europeia.


Aos leitores da Geplat Papers - Academic Journal of Studies in Society, Sciences and Technologies desejamos momentos de reflexão e crescimento acadêmico a partir das viagens intelectuais deste último número de 2024! Estamos certos de que, em breve, contarão conosco nas trincheiras da pesquisa científica!


28/11/2024

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