“ADMIRÁVEL MUNDO EM DESCONTROLE”: A POSIÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS ENQUANTO FORMULADORA DE RESPOSTAS NA PANDEMIA DA COVID-19 “BRAVE WORLD IN CHAOS”: THE POSITION OF SOCIAL SCIENCES AS AN ANSWER MAKER IN THE COVID-19 PANDEMIC
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RESENHA DE: COSTA, Jean Henrique. Barbosa, Raoni Borges. (Orgs.). Admirável Mundo em Descontrole: As Ciências Sociais e a pandemia da Covid-19. São Paulo: Editora Lucel, 2020.
O livro ora resenhado foi elaborado a partir de trabalho colaborativo de cientistas sociais de diferentes áreas, sendo organizado em capítulos que abordam uma série de elementos surgidos a partir do contexto de Pandemia do Covid-19. O conjunto da obra demarca o espaço das Ciências Sociais dentro do discurso científico contemporâneo.
A demarcação desse espaço é de grande valor devido a dois fatores. O primeiro é o do protagonismo dado às Ciências Naturais para a resolução dos problemas gerados pelo Coronavírus; essa estaria encarregada de descobrir o funcionamento biológico desse novo vírus, como age no nosso corpo, quais os melhores tratamentos e o desenvolvimento de uma vacina para a imunização da população mundial. A partir desse livro, podemos visualizar as contribuições das Ciências Sociais para uma série de outras implicações causadas pela Pandemia. Cobra-se muito dessa área que gere resoluções na vida prática da população, e o livro “Admirável Mundo em Descontrole” vai nesse caminho.
O segundo fator diz respeito ao contexto de deslegitimação das Ciências Humanas no Brasil a partir de uma política conservadora que confunde o fazer científico com o fazer militante. O empreendimento moral que tem como conteúdo uma política conservadora cerca os profissionais da área em um regime de constrangimento e censura. O projeto político ‘Escola sem partido’ é um exemplo, pois persegue professores de Humanas e os impede de debater assuntos essenciais para a área. Com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, a perseguição ganhou força institucional, com cortes de verbas para a Educação e para Ciência e com as Ciências Humanas sendo categorizadas como “não essenciais” nas políticas governamentais. A publicação dessa obra serve não somente como prova da importância das Ciências Sociais e Humanas, mas também questiona por meio do método científico as narrativas da política conservadora.
Nesse contexto está inserida a publicação da obra. A partir daqui, podemos apresentar as contribuições de cada capítulo contido na coletânea.
No Prefácio da obra, o professor Lázaro Fabrício destaca a realidade da desigualdade social brasileira, que se acentua na sociedade há séculos. Na crise de saúde e sanitária causada pelo Covid-19, o quadro de desigualdade constrói uma realidade particular no Brasil. Ou seja, apesar de o vírus ter se espalhado em todo o mundo, sem diferenciar fronteiras nacionais, cada país tem uma experiência particular da pandemia. No caso brasileiro, o quadro de desigualdade social faz com que a pandemia seja sentida de forma diferente pelos setores da sociedade. Destaca, também, que nas populações de maior vulnerabilidade social, a crise de saúde se agrava, sendo o risco de perder a vida muito maior. O autor pressupõe, a partir de dado construto teórico, que o Estado é responsável pela política da Vida e da Morte, onde a negligência do Estado ganha traços de um projeto político que escolhe quais vidas importam.
No primeiro capítulo apresentado na coletânea, os autores Garcia & Silva (2020) desenvolvem um trabalho que segue dois pontos principais: 1) As contribuições da Sociologia e da Antropologia para a compreensão da crise de saúde e sanitária gerada pelo coronavírus; 2) A partir do estudo de caso brasileiro, compreender as narrativas a respeito da pandemia, sobretudo a partir de um recorte de negacionismo científico enquanto discurso político. O primeiro trata-se da construção de um discurso das Ciências Sociais, apresentando um conjunto teórico que desestabiliza explicações ligadas ao senso comum, a explicações pseudocientíficas fortalecidas por uma rede de desinformação. Em oposição ao discurso apresentado pelos autores na primeira parte, está a narrativa pertencente aos setores conservadores da política brasileira. Garcia & Silva (2020), debatendo a respeito dessa narrativa, apresentam o negacionismo por parte do próprio presidente da República e que essa narrativa inicialmente negou a doença e posteriormente desmereceu os números alarmantes de vítimas. Destacam que além do discurso atrapalhar a operação das políticas públicas, esse faz parte de um projeto político por parte de um setor da política brasileira.
No segundo capítulo, Barbosa (2020) parte de uma base antropológica, sobretudo da Antropologia das Emoções e Moralidades, para analisar a situação limite de falência moral gerada pela pandemia do coronavírus. Compreende a moralidade do Homo Economicus, em que parar significa perda de lucros, como rompida a partir da instauração da pandemia, gerando uma situação de questionamento dos valores sociais, diante de uma dicotomia entre vidas e economia, e de um sentimento de falência e banalização da vida a partir da perda, para o vírus, de parentes e pessoas próximas. Por meio da etnometodologia, o autor etnografou redes sociais e percebeu disputas de narrativas a respeito da Covid-19, além de enxergar as tentativas de reestruturação moral e emocional para a continuidade do cotidiano.
No terceiro capítulo, Costa & Barbosa (2020) se dedicaram a compreender o “Novo Normal”, termo amplamente utilizado e que buscava projetar como seria a realidade social durante e pós-pandemia. Os autores demonstram que, para a efetivação do termo, banalizou-se a morte, a doença, com o desenvolvimento de novas sociabilidades cujo conteúdo moral fizesse possível a continuação das atividades econômicas. Mesmo com os números ainda crescentes de infectados, havia pressão de lobbys políticos para o afrouxamento das regras de distanciamento social. Para eles, a crise sanitária acentuou as características predatórias da política neoliberal, além de estabelecer uma relação de quais vidas importavam e quais seriam descartáveis.
No quarto e último capítulo, o trabalho de Silva, Costa & Cunha debatem, a partir de uma etnografia realizada em Imperatriz - MA, o aumento da procura da fitoterapia durante a crise de saúde causada pelo Sars-Cov-2. Em argumentação instigante, os autores, a partir do estudo de produtos medicinais de um conhecimento tradicional do Norte brasileiro, mostram como a falta de respostas da medicina hegemônica para o tratamento do coronavírus levou muitas pessoas a procurarem a assistência do conhecimento popular para amenizar os sintomas da Covid-19. Eles vão além, demostrando que não é somente pela falta de respostas, mas também pela falência no Sistema Público de Saúde e da distância dele do homem comum, que a fitoterapia está presente em seu cotidiano ao fazer parte do seu universo de realidade, imaginário e memória coletiva. Além disso, os autores alertaram para o número crescente de Fake News que apresentavam vários produtos naturais como cura contra o coronavírus. Os autores também apresentaram um debate a respeito da relação entre Homem e Natureza, da apresentação dos diferentes tipos de conhecimento no cotidiano do homem comum e como eles disputam as narrativas em torno de saúde e doença na crise instalada pela Covid-19, mas que não são necessariamente excludentes.
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